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Da Redação

Por que, mesmo após séculos de pesquisa, ainda sabemos tão pouco sobre o esperma humano?

A cada batida do coração, um homem é capaz de produzir cerca de mil espermatozoides. Em uma única relação sexual, mais de 50 milhões deles são lançados em uma corrida épica, cujo prêmio é a fecundação de um único óvulo. No entanto, apesar da importância vital desse processo, a ciência ainda desconhece muitos dos seus aspectos fundamentais.

 Uma jornada enigmática

Desde sua formação nos testículos até o encontro com o óvulo, os espermatozoides passam por transformações notáveis e enfrentam obstáculos extremos. Como nadam, como encontram o óvulo e como ocorre a fertilização ainda são questões em aberto.

Segundo a professora Sarah Martins da Silva, da Universidade de Dundee, os espermatozoides são células extraordinariamente especializadas: consomem mais energia do que outras células, têm metabolismo único e são as únicas células humanas que sobrevivem fora do corpo por um tempo.

Apesar disso, estudá-los é um desafio. Seu tamanho microscópico dificulta análises detalhadas, e muitos dos seus mecanismos bioquímicos ainda são mal compreendidos.

 Muito além de um “saco de DNA com cauda”

Pesquisas mais recentes mostram que o esperma não transmite apenas os cromossomos do pai. Ele também carrega informações epigenéticas – instruções sobre como e quando ativar os genes – que influenciam o desenvolvimento do embrião e podem afetar toda a trajetória de vida do futuro ser humano.

A trajetória científica da compreensão do esperma é antiga. Em 1677, o holandês Anton van Leeuwenhoek foi o primeiro a observá-lo ao microscópio. Mas só no século XIX o suíço Miescher descobriu o DNA, estudando justamente o esperma de salmão. Mesmo assim, foram necessários mais de 150 anos para identificar todas as proteínas que compõem o esperma humano.

 Como ele nada e encontra o óvulo?

Até recentemente, pensava-se que o espermatozoide nadava como um girino, com movimentos laterais da cauda. No entanto, um estudo de 2023 da Universidade de Bristol revelou que, na verdade, ele move a cauda como uma serpente, em padrões descritos por Alan Turing na teoria de reação-difusão.

Mas o mistério se aprofunda: como o esperma encontra o óvulo? Acredita-se que ele siga sinais químicos emitidos pelo óvulo, talvez até guiado por receptores de sabor. Ainda assim, poucos espermatozoides chegam perto do destino, e os mecanismos precisos desse "mapa invisível" continuam desconhecidos.

 O desafio da fecundação

Mesmo ao alcançar o óvulo, o espermatozoide precisa romper três barreiras: a corona radiata, a zona pellucida e a membrana plasmática do óvulo. Isso é possível graças a enzimas liberadas pelo acrossomo – uma espécie de capacete na cabeça do esperma.

No entanto, o que aciona essas enzimas permanece um enigma. E, para garantir que apenas um esperma penetre o óvulo, o corpo feminino ativa dois mecanismos de defesa: uma barreira elétrica momentânea e o endurecimento da zona pellucida, impedindo a poliespermia, que resultaria em um embrião inviável.

 Um campo ainda pouco explorado

Muitas das proteínas que atuam na fusão entre óvulo e espermatozoide ainda não foram identificadas. E, conforme alerta o biólogo Scott Pitnick, da Universidade de Syracuse, há um viés histórico na ciência: sempre se deu mais atenção aos aspectos masculinos da reprodução, ignorando as interações dentro do corpo feminino, onde ocorre grande parte da seleção sexual.

Estudos com moscas-das-frutas – cujos espermatozoides podem ter até 40 vezes o tamanho do corpo do animal – mostram que a evolução do esperma está fortemente relacionada à estrutura do trato reprodutivo feminino, um verdadeiro "mundo oculto" ainda em grande parte inexplorado.

 A crise da fertilidade

Em meio a tantos mistérios, cresce a preocupação com a fertilidade masculina. Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que um a cada seis adultos sofre de infertilidade, e os homens representam cerca de metade desses casos. A contagem de espermatozoides está em queda acelerada, e causas como poluição, estresse, sedentarismo e má alimentação são apontadas como possíveis vilões.

Contudo, para a maioria dos casos de infertilidade masculina, não há explicações claras. Segundo a pesquisadora Hannah Morgan, muitos defeitos podem estar escondidos dentro do espermatozoide: desde problemas no DNA até alterações na cauda ou no acrossomo.

 O que está por vir?

O esperma ainda guarda muitos segredos, e sua compreensão total exige olhar para todo o seu ciclo de vida – inclusive para as modificações que ocorrem após a ejaculação e as complexas interações com o corpo feminino. Como destaca Pitnick, “os machos apenas tentam acompanhar a evolução feminina.”

Em suma, desvendar o funcionamento do esperma é mais do que entender a fecundação: é mergulhar na própria origem da vida. E, como qualquer grande jornada, esta ainda está longe de terminar.

Fonte: Artigo baseado em reportagem de Katherine Latham – BBC News Brasil

Crédito das descobertas científicas: Professores Sarah Martins da Silva, Adam Watkins, Scott Pitnick e Hannah Morgan.


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