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Da Redação

Fonte: BBC News Brasil

Ubá, cidade mineira com pouco mais de 100 mil habitantes e conhecida tradicionalmente pela fabricação de móveis, ganhou nos últimos anos uma nova fama: a de ser o epicentro das cirurgias plásticas a preços acessíveis no Brasil. Redes sociais como TikTok e Instagram impulsionaram o fenômeno, transformando a cidade no destino de milhares de mulheres em busca de autoestima, transformação corporal e economia — nem sempre com os resultados esperados.

 A viagem pelo sonho

Histórias como a de Dulcineia Luz, de 47 anos, têm se multiplicado. Ela viajou por dois dias, de Rondonópolis (MT) até Ubá, para realizar o que descreveu como "um sonho". O que a motivou? Vídeos de outras mulheres no TikTok, exibindo os resultados de suas plásticas com cintas e drenos ainda visíveis, em clima de celebração.

Os preços são, de fato, convidativos. Procedimentos como a famosa cirurgia “x-tudo” (combinação de lifting de seios, lipo nas costas, abdominoplastia e, por vezes, aumento dos glúteos) podem sair por R$ 18 mil — valor que, em capitais como São Paulo ou Rio de Janeiro, não cobre sequer a internação hospitalar. Há mastoplastias por menos de R$ 11 mil e abdominoplastias por menos de R$ 9 mil.

 A engrenagem econômica das plásticas

O que parece uma simples cidade do interior se transformou, silenciosamente, em um polo de economia estética. Surgiram motoristas especializados, casas de cuidados pós-operatórios, lojas de insumos médicos e até financiadoras de cirurgias, como a Pag Crédito Ubá, que oferece parcelamentos de até 120 vezes, mesmo para clientes com o nome negativado.

“É uma máfia que deu certo”, define, em tom de brincadeira, Lucilene Queiroz, responsável pela empresa de crédito, destacando o papel fundamental das redes sociais na explosão da demanda.

A estrutura se expande com casas como a das irmãs Condé — uma enfermeira e uma fisioterapeuta — que recebem mulheres de todas as partes do Brasil e até do exterior. Há quem chegue de Londres, Suriname ou Guiana. Grupos de WhatsApp compartilham “antes e depois”, dicas para esconder dinheiro vivo (alguns médicos não aceitam cartão ou Pix), e PDFs com comparativos entre médicos.

 Por trás dos bisturis

No centro da popularidade de Ubá estão nomes como os dos cirurgiões Maurino Grossi e Júlio Cesar Ferreira — ambos com mais de 30 processos na Justiça. As acusações envolvem desde insatisfação com os resultados até casos graves de infecção e abandono no pós-operatório.

A BBC News Brasil, que enviou repórteres à cidade, conversou com pacientes que elogiaram os médicos e outras que relatam traumas profundos. Casos como o de Rosimar Cordeiro Messias, de 53 anos, expõem o lado mais sombrio das “plásticas baratas”. Após uma abdominoplastia, sua incisão infeccionou gravemente. O tratamento foi negligenciado, segundo ela, e o resultado foram meses de cama, depressão e sequelas físicas e emocionais.

“Fiquei sete meses sem conseguir trabalhar. Achei que fosse morrer”, relata Rosimar, que ainda cogita acionar o médico judicialmente, embora já tenha ouvido dele que possui “mais de cinco advogados”.

Já o médico, por meio de nota, disse não lembrar da paciente, contestou o tempo de cirurgia citado e defendeu que muitos processos são motivados por frustrações pessoais, e não por erro médico comprovado. Alega ainda que não faz mais acordos, pois isso incentivaria acusações infundadas.

 Entre a vaidade e o risco

Se por um lado há histórias de sucesso, como a da jovem Talita, de Niterói (RJ), que investiu R$ 34 mil em uma transformação corporal e se diz plenamente satisfeita, por outro há depoimentos como o de Gelva Consuelo, esteticista com 20 anos de experiência, que identificou falhas na sua própria lipoaspiração e optou por processar o cirurgião — com quem acabou fazendo um acordo.

O contraste entre expectativas e realidade é nítido. Em comum, todas as mulheres relatam o desejo de resgatar a autoestima. Para algumas, a cirurgia foi um rito de renovação. Para outras, a porta de entrada para dor, frustração e medo.

 O que dizem os especialistas?

O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Marcelo Sampaio, alerta: “O primeiro passo para uma cirurgia segura é buscar indicações confiáveis e checar a habilitação do profissional.” Ele ainda recomenda verificar a estrutura hospitalar, os riscos apresentados na consulta e se o médico é transparente sobre possíveis complicações.

O Conselho Federal de Medicina informou que não há processos administrativos em curso contra os cirurgiões citados, mas destacou que preços muito baixos podem vir acompanhados da precariedade de estrutura e do comprometimento da segurança do paciente.

Preço ou prudência?

Ubá tornou-se um retrato emblemático do poder das redes sociais e da busca pela estética acessível. A cidade virou destino de mulheres esperançosas, muitas em condições financeiras limitadas, que veem na cirurgia plástica a chance de “renascer”. No entanto, o caso também alerta para os riscos de decisões apressadas motivadas por preço ou por promessas virtuais.

A máxima “o barato pode sair caro” ecoa forte entre aquelas que saíram da cidade não com um novo corpo, mas com sequelas físicas, emocionais e judiciais. Mais do que um polo estético, Ubá tornou-se um espelho do Brasil profundo — onde sonhos e feridas se encontram no bisturi da esperança.

Dica ao leitor: Antes de embarcar numa cirurgia plástica, em qualquer cidade, pesquise profundamente o histórico do médico, converse com ex-pacientes, verifique se o hospital é credenciado pela Anvisa e jamais se baseie apenas em vídeos de redes sociais. A estética vale, sim, o investimento — desde que venha com segurança.