Novos estudos revelam que as vacinas, além de combater infecções, são capazes de nos proteger da principal causa de morte da atualidade: as doenças cardiovasculares
Por Paula Felix, de Madri
Efeito Positivo: Fármacos e Redução de Casos Cardíacos Depois de uma pandemia aterradora, da qual nos salvamos com o desenvolvimento rápido e a aplicação em massa de imunizantes, um fantasma ainda assombra a aceitação e a adesão às vacinas: as supostas reações adversas.
A hesitação e o temor se alimentam de dados mal interpretados e, claro, de fake news. Mas há, sim, um tremendo efeito colateral das doses contra gripe, covid-19 e outras doenças — e ele é extremamente bem-vindo.
Para além da proteção contra as infecções em si, as vacinas são hoje um dos maiores escudos da medicina moderna diante das doenças cardiovasculares. É o que atesta um robusto consenso recém-apresentado no congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia, que reuniu em Madri, na Espanha, mais de 33 mil especialistas.
O documento é categórico: os imunizantes já podem ser vistos como um quarto pilar na prevenção de infartos e AVCs, ao lado do controle do colesterol alto, da hipertensão e do diabetes.
Vacinas e Menor Risco de Infartos e AVCs Amparando-se em dezenas de estudos, a diretriz revela que pessoas com a caderneta em dia estão menos propensas a integrar a trágica estatística de quase 20 milhões de vítimas fatais por doenças cardíacas a cada ano, a principal causa de morte global.
Não se trata de um impacto marginal. As evidências mostram benefícios de várias vacinas, especialmente a da gripe, cujos índices de vacinação no Brasil estão abaixo das metas entre adultos.
Em um estudo com mais de 2.500 pessoas que sofreram um ataque cardíaco, constatou-se uma redução de 41% na mortalidade e de quase 30% no risco de novos eventos cardiovasculares no grupo vacinado contra o vírus influenza.
A vacina da covid-19 também reforça a defesa do coração. Um levantamento com dados de 800 mil cidadãos revelou que as injeções, tão atacadas por negacionistas, realmente reduziram os casos de infarto, trombose e sangramento cerebral.
Embora tenham circulado notícias falsas sobre uma suposta relação das vacinas com inflamação do músculo cardíaco (miocardite), o fato consolidado é que esses episódios são raríssimos — e seis vezes mais frequentes entre pessoas infectadas pelo coronavírus do que entre os vacinados.
Como as Vacinas Protegem o Coração De início, a relação entre a proteção contra vírus e bactérias e o bem-estar das artérias pode soar estranha, mas uma pequena aula de biologia ajuda a explicar.
Quando um patógeno invade o corpo, uma série de reações é disparada, entre elas um intenso processo inflamatório que, se por um lado combate os micróbios, por outro expõe os vasos sanguíneos a obstruções por placas e trombos e ainda pode desregular os batimentos cardíacos.
Ou seja, a infecção viral ou bacteriana, além de afetar o sistema respiratório e outros órgãos, gera um estresse perigoso para o coração e o cérebro.
“As infecções aumentam o risco de doenças cardiovasculares e vimos isso de forma dramática durante a pandemia de covid-19, com as diferentes complicações vasculares”, afirma a cardiologista Bettina Heidecker, chefe do Serviço de Insuficiência Cardíaca e Cardiomiopatia do Hospital Universitário Charité, em Berlim.
Assim, ao mesmo tempo em que combatem infecções de alto risco, os imunizantes funcionam como um escudo para o coração.
Outras Vacinas Amigas do Coração Além das vacinas contra influenza e covid-19, o congresso em Madri apresentou a primeira revisão científica a apontar que a vacina contra herpes-zóster também protege o coração.
O estudo mostrou que seu uso está associado a uma redução de 18% nos casos de AVC e infarto entre adultos jovens e de 16% na população acima de 50 anos.
Na lista de vacinas benéficas ao sistema cardiovascular também estão as doses contra:
Vírus sincicial respiratório (VSR) – causa da bronquiolite
Papilomavírus humano (HPV)
Pneumococo – bactéria que causa pneumonia
“Uma diminuição de 20% ou 30% no risco cardiovascular pode parecer pouco, mas é muito, e comparável ao efeito de alguns tratamentos contra os fatores de risco cardíacos”, diz a infectologista Elisabeth Botelho-Nevers, do Hospital Universitário de Saint-Étienne, na França.
O Desafio da Adesão às Vacinas Mesmo com a ciência ao lado das vacinas, permanece o desafio de fazer os adultos se imunizarem.
A falsa sensação de baixa vulnerabilidade, somada à desinformação propagada por grupos antivacina, derrubou a cobertura vacinal em diversos países — inclusive no Brasil.
Quando se imaginava que a pandemia reforçaria a adesão, novas campanhas políticas contra os imunizantes surgiram, principalmente nos Estados Unidos.
Desde que Robert F. Kennedy Jr., conhecido ativista antivacina, assumiu o posto de secretário de Saúde, uma série de medidas que comprometem a proteção da população foi implementada.
No mês passado, o Departamento de Saúde dos EUA cortou cerca de 500 milhões de dólares em investimentos para o desenvolvimento de vacinas de RNA mensageiro, tecnologia empregada na vacina contra a covid-19 e laureada com o Nobel de Medicina em 2023.
Riscos da Queda na Cobertura Vacinal Uma reação em cadeia já teve início: o estado da Flórida pode se tornar o primeiro a banir a exigência de vacinação, inclusive para crianças em idade escolar, mesmo diante de surtos de sarampo.
As consequências podem ser devastadoras.
“Vai chegar um momento em que só o retorno dessas infecções em larga escala poderá frear essas políticas”, alerta o pediatra e infectologista Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
No Brasil, por outras razões — como falta de informação e acesso —, a cobertura da vacina da gripe não passou de 50% neste ano. Essa população desprotegida é justamente a mais vulnerável a complicações cardiovasculares.
“Vírus funcionam como gatilhos de doenças sérias. A vacinação tem peso não só na saúde coletiva, mas também na individual”, reforça Kfouri.
Vacinas Também Protegem o Cérebro Os efeitos positivos das vacinas não se restringem ao coração. Pesquisadores da Universidade Stanford (EUA) observaram que a vacina contra o herpes-zóster está associada a uma redução de 20% no risco de desenvolvimento de demências como o Alzheimer.
Sete anos após a imunização, um em cada oito não vacinados desenvolveu demência, enquanto o índice foi 20% menor entre os vacinados.
Essa vacina deve chegar ao SUS no próximo ano, e outras importantes — como as de gripe, covid, sarampo e hepatite B — já são oferecidas gratuitamente nos postos de saúde.
Conclusão: Vacinas Salvam Corações e Mentes
O evento científico em Madri marca uma virada de chave global no entendimento de que, muito além de combater patógenos, as vacinas se somam às medidas de alimentação saudável, atividade física e combate ao tabagismo como estratégias eficazes na prevenção de doenças crônicas.
O coração e o cérebro agradecem. Resta a cada um de nós ter consciência e, imunizados contra a desinformação, buscar completar nossa caderneta vacinal.
Esse artigo foi publicado originalmente na revista Veja
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