OUÇA O TEXTO

Da Redação

Falar sobre a morte ainda é um tabu profundo na sociedade brasileira. Mas, como lembra a advogada e bioeticista Luciana Dadalto, “o Brasil precisa conversar sobre o processo de morrer”. Essa é justamente a missão da Eu Decido, associação civil sem fins lucrativos lançada oficialmente em 4 de agosto de 2025, que busca abrir espaço para um debate urgente: a legalização da morte assistida no Brasil.

Luciana, especialista em Direito Médico e pesquisadora em bioética desde 2008, preside a nova entidade que pretende garantir a toda pessoa maior de 18 anos, lúcida e com doença terminal ou incurável, o direito de decidir como e quando morrer, com respaldo legal e médico.

 Um debate ainda cercado de tabus

No Brasil, a discussão sobre eutanásia e suicídio assistido ainda divide opiniões e desperta fortes emoções. Médicos, juristas, religiosos e familiares de pacientes terminais frequentemente se veem em campos opostos. Para uns, trata-se de uma questão de autonomia e dignidade — o direito de escolher o próprio destino quando não há mais perspectiva de cura. Para outros, a prática fere princípios éticos e espirituais, pois seria uma violação da sacralidade da vida.

Luciana reconhece que o caminho será longo. “Não estamos falando de cometer eutanásia em crianças ou pessoas sem capacidade decisória, mas em adultos lúcidos, conscientes e com diagnósticos irreversíveis”, explica. O objetivo, segundo ela, é trazer racionalidade e empatia a uma pauta que costuma ser tratada apenas com medo ou preconceito.

 O mundo e a morte assistida

Atualmente, pouco mais de dez países permitem algum tipo de morte assistida. Em alguns, a legislação contempla apenas a eutanásia (quando um profissional aplica uma substância letal a pedido do paciente); em outros, o suicídio assistido (quando o paciente toma o medicamento por conta própria, sob supervisão médica). Há ainda países que permitem ambas as práticas.

O Uruguai é o caso mais recente: o Senado aprovou um projeto que descriminaliza e regulamenta a eutanásia, aguardando apenas a promulgação pelo presidente Yamandu Orsi, que já demonstrou apoio à lei.

Entre todos os países que tratam do tema, apenas a Suíça aceita receber estrangeiros para o procedimento, na modalidade de suicídio assistido — o que tem feito do país um destino controverso para pessoas que desejam morrer com dignidade.

 A criação da “Eu Decido”

A iniciativa de fundar a Eu Decido nasceu do diálogo entre profissionais e pensadores de diferentes áreas — médicos, advogados, psicólogos, jornalistas e artistas — que já vinham discutindo o tema de forma isolada. Entre eles estão nomes como Andreas Kisser, músico e idealizador do Movimento Mãetrícia; Adriano Silva, autor do livro “O Dia em Que Eva Decidiu Morrer”; e Vitor Hugo Brandalise, jornalista e autor de “O Último Abraço: Uma História Real Sobre Eutanásia no Brasil”.

Luciana conta que, após conhecer associações similares na Suíça, Holanda e Espanha, percebeu que o Brasil carecia de uma instituição que tratasse o assunto de forma ética, técnica e humanizada. “Achei que era chegada a hora, mesmo com o país vivendo um momento de polarização social e política importante”, afirma.

 Morrer com dignidade: um novo olhar sobre o fim da vida

O objetivo da Eu Decido não é apenas lutar por uma mudança legal, mas também transformar a maneira como o país encara o fim da vida. A morte, segundo Luciana, precisa deixar de ser um tema proibido e passar a ser vista como parte do ciclo natural da existência.

“Discutir o processo de morrer é também falar de autonomia, compaixão e dignidade. É entender que prolongar o sofrimento nem sempre é um ato de amor”, resume a ativista.

Ao propor esse debate, a Eu Decido traz à tona uma questão que vai muito além da medicina: como queremos viver — e morrer — com dignidade?

Fonte: Entrevista concedida por Luciana Dadalto ao portal UOL.

Tema: Morte assistida e autonomia no fim da vida.