OUÇA O TEXTO

Por Ingrid Luisa – Fonte: Veja Saúde

Reduzir o consumo de açúcar e calorias é, sem dúvida, um benefício para a saúde. No entanto, conceder às bebidas “zero” o título de saudáveis é uma discussão que está longe de ser encerrada. A popularidade crescente desses produtos levanta uma pergunta essencial: será que o “zero” é realmente sinônimo de bem-estar?

A ascensão das bebidas zero

O mercado brasileiro de bebidas dietéticas e de baixas calorias vive um boom. Em 2024, o segmento cresceu 20%, e as vendas da Coca-Cola Zero dispararam 56% no país — um avanço muito superior ao registrado no México, por exemplo, onde o crescimento foi de apenas 8%. Hoje, energéticos “zero” já representam 16% do setor, frente aos 12% de alguns anos atrás.

A tendência se espalha nas redes sociais, impulsionada por fenômenos como o fridge cigarette (“cigarro de geladeira”) — vídeos de jovens que, em momentos de estresse, recorrem a uma latinha gelada de refrigerante zero como quem acende um cigarro para aliviar a tensão. O gesto, aparentemente inofensivo, reforça a imagem das bebidas sem açúcar como opções seguras ou até saudáveis — algo que especialistas questionam.

De diet a zero: um sucesso de marketing

A ideia de produtos “sem açúcar” surgiu nos anos 1950, inicialmente voltada a pessoas com diabetes. O conceito evoluiu nas décadas seguintes, até o lançamento da Coca-Cola Diet, nos anos 1980, e posteriormente da versão Zero, que conquistou consumidores de todas as idades e classes sociais.

Porém, como lembra a nutricionista Érika Carvalho, presidente do Conselho Federal de Nutrição (CFN), “os produtos zero açúcar continuam pertencendo à categoria dos ultraprocessados”. Ou seja, são alimentos que, apesar da ausência de açúcar, contêm aditivos, corantes e conservantes que, quando consumidos de forma rotineira, podem afetar o organismo no longo prazo.

O preço do “zero”

O açúcar, além de adoçar, desempenha funções estruturais importantes — ajuda na textura, conservação e equilíbrio de sabor. Ao eliminá-lo, as indústrias recorrem a uma combinação de adoçantes artificiais e outros aditivos químicos para manter o produto palatável.

Segundo a engenheira química Francine Souza, da ONG ACT Promoção da Saúde, “tirar o açúcar sem desandar a receita exige a inclusão de diversos aditivos”. Assim, os refrigerantes zero podem ter menos calorias, mas continuam sendo fórmulas complexas e altamente processadas.


Adoçantes: solução ou armadilha?

Os adoçantes artificiais são considerados seguros pelas agências regulatórias internacionais — desde que dentro dos limites recomendados. No entanto, estudos recentes têm colocado em dúvida seus efeitos a longo prazo.

Uma análise da Faculdade de Medicina da USP associou o consumo regular de adoçantes a um possível declínio cognitivo acelerado. Embora o estudo não comprove uma relação direta de causa e efeito, acendeu um alerta na comunidade científica. Outros trabalhos ligam o consumo frequente dessas substâncias a desequilíbrios metabólicos, inflamações hepáticas e até riscos cardiovasculares.

A endocrinologista Alina Feitosa, da Escola Bahiana de Medicina, explica: “Enquanto o refrigerante comum agride diretamente o fígado, o zero pode criar um ambiente metabólico inflamatório que predispõe a doenças hepáticas”. Além disso, uma pesquisa americana encontrou associação entre o consumo de mais de dois litros semanais de refrigerantes (mesmo os zeros) e risco 20% maior de arritmia cardíaca.

Entre o prazer e o equilíbrio

Apesar das ressalvas, demonizar as versões zero também seria um equívoco. Para pessoas com diabetes ou em processo de emagrecimento, essas opções podem ter um papel estratégico. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que, nesses casos, o uso moderado de adoçantes pode auxiliar na adesão a dietas e no controle glicêmico.

A nutricionista Mônica Beyruti, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso), explica: “Se o profissional tira completamente o sabor doce da dieta, muitos pacientes não conseguem seguir o plano. As bebidas zero, quando consumidas com moderação, podem ajudar nessa transição”.

O nutricionista Thiago Barros, da Unifesp, complementa que o refrigerante zero pode funcionar como uma “contenção de danos” enquanto o indivíduo ajusta a alimentação. “A vontade exagerada por doces muitas vezes vem de desequilíbrios nutricionais. O zero pode evitar excessos até o organismo se estabilizar.”

Desmistificando o sódio e as calorias

Um dos mitos mais comuns é o de que as bebidas zero têm mais sódio do que as versões tradicionais. Barros explica que uma lata de Coca-Cola Zero contém cerca de 50 mg do mineral — apenas 2,5% do limite diário recomendado pela OMS. “Há marmitas ‘fit’ congeladas que ultrapassam 60% do valor diário de sódio, e ninguém questiona”, ironiza o especialista.

Além disso, muitos alimentos “zero açúcar” compensam a ausência de doçura com mais gordura, o que pode igualar ou até superar o valor calórico da versão original. Por isso, ler os rótulos e compreender os ingredientes é essencial.

Conclusão: o “zero” ideal é o do exagero

Em resumo, o rótulo “zero” não é um selo de saúde, mas tampouco um vilão absoluto. Essas bebidas podem ter utilidade em contextos específicos — como o controle glicêmico ou a reeducação alimentar —, desde que o consumo seja consciente e eventual.

A verdadeira questão não está no refrigerante em si, mas no hábito. Se a alimentação for equilibrada, uma latinha gelada de vez em quando não será o fim do mundo. Afinal, o “zero problema” só existe quando há zero exagero.