Da Redação

Casos recentes de intoxicação grave por metanol — um composto químico de uso industrial, presente em solventes, combustíveis e produtos de limpeza — acenderam um alerta de saúde pública no Brasil. Segundo dados do Ministério da Saúde divulgados em 4 de outubro, já são 14 casos confirmados de ingestão de metanol, incluindo duas mortes em São Paulo, enquanto 181 casos permanecem sob investigação.

A tragédia tem levantado uma questão essencial: por que o metanol é tão mais perigoso que o etanol, o álcool encontrado em bebidas como cerveja, vinho e destilados?

A diferença entre metanol e etanol

Ambos pertencem à mesma família química dos álcoois e são visualmente quase idênticos — transparentes, de odor e viscosidade semelhantes. Contudo, os efeitos que produzem no organismo humano são radicalmente distintos.

A infectologista Jessica Fernandes Ramos, do Hospital Sírio-Libanês, explica:

“No fígado, os dois são metabolizados pela mesma enzima, mas os resultados são opostos: o etanol gera substâncias menos nocivas, enquanto o metanol é transformado em formaldeído (formol) e ácido fórmico, altamente tóxicos.”

Esses metabólitos são devastadores. O ácido fórmico corroe o nervo óptico e o sistema nervoso, altera o pH do sangue e compromete o metabolismo celular, podendo levar à falência de múltiplos órgãos.

Como o metanol age no corpo

O metanol é rapidamente absorvido pelo trato digestivo. Entre duas e 48 horas após a ingestão, podem surgir os primeiros sintomas: dor de cabeça intensa, tontura, visão borrada ou dupla, náuseas, vômitos e confusão mental.

Uma vez metabolizado, o metanol se transforma em compostos que atingem principalmente o sistema nervoso, causando destruição progressiva dos neurônios e do nervo óptico. Em casos graves, pode ocorrer cegueira irreversível.

Além disso, a digestão do metanol gera acidose metabólica — uma condição em que o sangue se torna excessivamente ácido. O organismo tenta compensar aumentando a frequência respiratória e acelerando o batimento cardíaco, o que leva à sobrecarga do coração, pulmões e rins.

“O coração sofre porque precisa manter um ritmo estável mesmo com o sangue alterado. Os pulmões tentam eliminar o excesso de acidez, e os rins, na tentativa de equilibrar o pH, passam a reter bicarbonato, o que compromete sua função de filtração. Esse desequilíbrio pode levar à falência múltipla de órgãos”, explica Ramos.

O perigo das bebidas adulteradas

Os casos recentes chamaram atenção porque, ao contrário de ocorrências anteriores — muitas vezes associadas a contextos de vulnerabilidade social —, as intoxicações atuais ocorreram em bares e casas noturnas, envolvendo bebidas destiladas adulteradas, como gim, uísque e vodca.

Ainda não há confirmação se o metanol foi adicionado de forma proposital para aumentar o volume e reduzir o custo de produção ou se houve contaminação acidental, mas as autoridades investigam a primeira hipótese.

Por ser incolor e ter o mesmo odor do etanol, o metanol não pode ser identificado visualmente ou pelo paladar, o que torna o risco ainda maior.

O tratamento e o antídoto

O tratamento da intoxicação por metanol deve ser imediato e feito em ambiente hospitalar.
O principal antídoto é o etanol, administrado por via oral ou intravenosa. Ele atua competindo com o metanol pela enzima álcool desidrogenase, retardando a produção das substâncias tóxicas (formaldeído e ácido fórmico).

Outro tratamento de suporte é a hemodiálise, que ajuda a remover o metanol e seus metabólitos do sangue. Além disso, utiliza-se bicarbonato endovenoso para corrigir a acidose e suporte respiratório e renal para evitar a falência de órgãos.

Em outros países, há ainda o fomepizol, considerado um antídoto mais eficaz, pois bloqueia diretamente a ação da enzima responsável pelo metabolismo do metanol. No entanto, esse medicamento ainda não está disponível no Brasil.

Centros de referência e atendimento emergencial

Os casos suspeitos de intoxicação por metanol são atendidos em parceria com os Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox). O Brasil conta com 32 unidades, sendo nove em São Paulo, onde se concentra a maioria das ocorrências. Esses centros são responsáveis pelo diagnóstico, tratamento e notificação dos casos.

A recomendação: evitar o consumo de destilados

Diante da gravidade da situação, especialistas e autoridades sanitárias recomendam evitar completamente o consumo de bebidas destiladas até que as investigações sejam concluídas.

“Até o momento, não há registros de contaminação em cerveja ou vinho, mas já houve em cachaça, gim, vodca e uísque. O risco é altíssimo. Mesmo pequenas doses de metanol podem ser fatais”, alerta a infectologista Jessica Ramos.

A psiquiatra Olivia Pozzolo, pesquisadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), reforça que quem sentir sintomas como náusea intensa, tontura, alteração visual ou falta de ar após ingerir álcool deve procurar imediatamente um pronto-socorro.

Além disso, Pozzolo chama atenção para o risco do consumo compulsivo:

“Diante da recomendação de evitar destilados, é importante lembrar que quem tem dificuldade em ficar sem beber deve buscar ajuda profissional. A saúde vem sempre em primeiro lugar.”

Conclusão

O metanol é um veneno silencioso e letal, cuja ingestão, mesmo em pequenas quantidades, pode causar cegueira, danos neurológicos e morte. Diante dos casos recentes, a medida mais segura é suspender o consumo de destilados e redobrar a atenção com a procedência das bebidas.

Mais do que um alerta de saúde, o episódio revela a importância de reforçar a fiscalização, informar a população e combater a adulteração de produtos, que continua sendo uma ameaça invisível — e mortal — à sociedade.


Ajude a fortalecer este blog
Faça uma doação e apoie nosso trabalho

Doação via PIX

Para doar, copie a chave PIX abaixo e cole no seu app bancário.