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Da Redação

Em um país onde os padrões de beleza são amplamente moldados pela cultura e pelas redes sociais, os procedimentos estéticos deixaram de ser uma exclusividade feminina. Nos últimos anos, uma tendência vem ganhando espaço entre os homens brasileiros: a harmonização peniana. Impulsionada por promessas de autoestima elevada e virilidade ampliada, essa prática vem provocando debates éticos, médicos e sociais — e, em alguns casos, consequências físicas devastadoras.

 Um Drama Silencioso

O caso de Jorge (nome fictício) é emblemático. Convencido por anúncios sedutores em jornais e revistas em 2005, ele embarcou numa jornada estética arriscada para aumentar o pênis. Submeteu-se a três procedimentos com aplicações de PMMA (polimetilmetacrilato), um material acrílico permanente usado em preenchimentos. A última intervenção, em 2018, incluiu também a bolsa escrotal — e foi o início de um pesadelo. Feridas, inflamações e risco de perda do órgão sexual exigiram cirurgias reconstrutivas e deixaram marcas físicas e emocionais profundas.

"Era como se meu corpo quisesse expulsar aquele PMMA de algum jeito", relatou Jorge. Ele admite não ter sequer conversado com a esposa antes de se submeter aos procedimentos — embora ela já estivesse satisfeita com seu desempenho. "Mas o homem tem essa vaidade, essa coisa imbecil e estúpida", desabafa.

 O Que É Harmonização Peniana?

O termo “harmonização peniana” é novo, mas as promessas de aumentar o pênis são antigas. Antes, eram cremes e bombas a vácuo; hoje, há uma série de intervenções modernas que vão de técnicas cirúrgicas até injeções de preenchimento. Segundo especialistas, esses procedimentos se dividem em duas categorias:

1. Cirúrgicos: envolvem a liberação de ligamentos penianos, lipoaspiração da pelve e reconstruções com enxertos. São indicados especialmente para homens com obesidade ou com micropênis.

2. Minimamente invasivos: o mais comum é a aplicação de ácido hialurônico, substância absorvível com efeitos estéticos temporários, mas visualmente eficazes. Também surgem práticas experimentais como o “escrotox”, aplicação de botox na bolsa escrotal.

Apesar de mais seguros que o PMMA, esses procedimentos ainda exigem rigor técnico absoluto. Uma aplicação malfeita pode resultar em necrose, embolia ou até perda do pênis.

 Desejo ou Disforia?

A busca por um “pênis ideal” pode esconder distúrbios mais profundos. A psiquiatra Carmita Ábdo alerta para os riscos da dismorfia corporal — transtorno que afeta até 2% da população e leva a uma percepção distorcida do próprio corpo. “Esse paciente nunca está satisfeito, mesmo após múltiplas cirurgias. E isso pode levar a lesões irreversíveis e traumas emocionais”, explica.

A dismorfia pode transformar vaidade em obsessão. Segundo os especialistas, nesses casos, o tratamento ideal começa com psicoterapia e avaliação psiquiátrica, não com bisturi ou seringas.

 O Valor Simbólico do Pênis

Mais do que função sexual, o pênis carrega um enorme simbolismo na sociedade ocidental: potência, masculinidade, virilidade. A insegurança masculina muitas vezes não está na cama, mas no vestiário, diante dos amigos. “O pênis virou o representante do homem — é como se ele dissesse o quanto vale”, diz Ábdo.

O acesso massivo à pornografia também distorce percepções. Com atores selecionados por atributos físicos excepcionais, muitos homens internalizam um padrão inalcançável, o que alimenta frustrações e decisões precipitadas.

 O Que Realmente Muda?

Do ponto de vista técnico, os ganhos estéticos são limitados. A aplicação de ácido hialurônico pode aumentar entre 1,5 e 4 cm na circunferência peniana. Mas não há evidências de que o comprimento do pênis possa ser ampliado significativamente por esses métodos — apenas sua aparência visual muda.

Além disso, o ácido é reabsorvido pelo corpo em até dois anos, exigindo reaplicações. O sucesso depende do profissional e da técnica aplicada. Um erro de milímetros pode levar a desastres clínicos.

 A Necessidade de Escolhas Conscientes

Diante de uma demanda crescente, clínicas especializadas surgem em todo o país. Algumas oferecem conforto e sigilo absoluto — algo fundamental diante do tabu que cerca a masculinidade e o corpo masculino. No entanto, a ausência de regulamentação clara e o crescimento de anúncios sensacionalistas elevam o risco de complicações.

"Você não aplica ácido hialurônico no pênis como se fosse um hidratante no rosto", alerta o urologista Fernando Facio. “É uma área com nervos, vasos e funções complexas. Todo procedimento exige conhecimento anatômico e preparo técnico.”

Beleza, Ciência e Cuidado

A harmonização peniana reflete um momento em que os homens também passaram a olhar para o espelho com críticas e expectativas — muitas vezes irreais. Em alguns casos, um pequeno ajuste estético pode melhorar a autoestima. Em outros, a busca por um ideal inalcançável pode custar caro, emocional e fisicamente.

Mais do que condenar ou romantizar esses procedimentos, é essencial promover informação, responsabilidade médica e saúde mental. Afinal, como diz o próprio Jorge, sobrevivente de três aplicações de PMMA: “Fujam das propagandas fantasiosas. Vão atrás de informações confiáveis. Eu quase perdi minha vida por vaidade.”

 Baseado em artigo publicado por André Biernath, na BBC News Brasil

Adaptação e Otimização: Luiz Sérgio Castro