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Da Redação

Dar um smartphone para uma criança pode parecer uma decisão prática ou até um mimo inofensivo. No entanto, um estudo internacional de larga escala publicado em 20 de julho na revista Journal of Human Development and Capabilities acende um alerta importante: o uso precoce do celular está fortemente associado a piores indicadores de saúde mental na vida adulta.

A pesquisa, revisada por pares e baseada em dados de quase 2 milhões de pessoas em 163 países, revelou que crianças que receberam o primeiro celular aos 5 anos apresentaram, na vida adulta, quase o dobro de sinais de sofrimento mental grave em comparação com aquelas que só tiveram acesso ao aparelho depois dos 13 anos. Entre os sintomas identificados estão pensamentos suicidas, desregulação emocional, ansiedade e baixa autoestima.

Um sinal vermelho para a saúde mental

O estudo utilizou um questionário que mede o bem-estar psíquico em uma escala que varia de -100 (sofrimento intenso) a +200 (bem-estar pleno). Apesar de os autores destacarem que a pesquisa mostra uma correlação e não uma relação direta de causa e efeito, os resultados são expressivos o suficiente para provocar um debate urgente sobre os riscos do uso precoce da tecnologia por crianças.

Redes sociais: o maior vilão

Um dos principais fatores associados ao impacto negativo é o acesso antecipado às redes sociais. Em países de língua inglesa, por exemplo, 70% das associações negativas foram ligadas diretamente ao uso dessas plataformas. A busca por validação, a comparação constante com padrões irreais e a exposição precoce a conteúdos inadequados são fatores que alimentam sentimentos de inadequação, solidão e ansiedade.

Outros impactos negativos identificados:

Cyberbullying: a exposição a ofensas virtuais pode deixar marcas emocionais duradouras;

Enfraquecimento dos laços familiares: menos tempo de conversa e convivência dentro de casa;

Distúrbios do sono: a luz azul das telas e o estímulo contínuo dificultam o descanso;

Problemas alimentares: uso do celular durante as refeições pode gerar hábitos prejudiciais;

Isolamento social: a falta de interação presencial afeta o desenvolvimento da empatia e das habilidades sociais.

Esses dados ganham ainda mais relevância quando confrontados com outra pesquisa, realizada pelo Pew Research Center em março de 2024: quase três quartos dos adolescentes americanos afirmaram se sentir mais felizes ou tranquilos quando estão longe do celular.

Benefícios imediatos ao reduzir o tempo de tela

Limitar o uso do celular na infância pode trazer ganhos concretos e quase imediatos:

Mais horas de sono e descanso de qualidade;

Alimentação mais consciente;

Maior engajamento com leitura e brincadeiras físicas;

Reforço nos vínculos familiares e sociais;

Desenvolvimento saudável da atenção e da empatia.

Um problema individual com responsabilidade coletiva

Diante das evidências, os pesquisadores defendem que a responsabilidade sobre o uso de smartphones por crianças não deve recair apenas sobre as famílias, mas ser discutida como uma questão de saúde pública.

Entre as propostas apresentadas no estudo estão:

Proibição do uso de redes sociais por menores de 13 anos, com ferramentas de verificação de idade mais eficazes;

Educação obrigatória sobre letramento digital e saúde mental nas escolas, antes da exposição livre ao mundo digital;

Responsabilização das empresas de tecnologia por falhas no controle de idade e exposição a conteúdo nocivo;

Criação de celulares infantis com funcionalidades limitadas, que garantam segurança e comunicação básica sem exposição às redes sociais.

A tecnologia pode ser uma aliada poderosa no aprendizado e na comunicação. No entanto, seu uso precoce e sem supervisão pode gerar consequências sérias para a saúde mental de crianças e adolescentes. O estudo reforça a importância de adiar o acesso ao celular completo até, pelo menos, os 13 anos e de promover uma educação digital responsável e cuidadosa.

Mais do que uma medida preventiva, trata-se de um investimento na saúde emocional, no bem-estar e na qualidade de vida das futuras gerações. Afinal, formar adultos mais equilibrados, conscientes e felizes começa por escolhas informadas na infância.