Da Redação
Reconhecimento oficial da condição gera
esperança para pacientes, mas levanta debate entre especialistas da saúde
A sanção da Lei nº 15.176/2025 pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva trouxe à tona uma discussão de grande relevância
médica e social: a fibromialgia pode ser considerada uma deficiência? Publicada
no Diário Oficial na última quinta-feira (24), a nova legislação reconhece, em
determinadas circunstâncias, a síndrome como uma forma de deficiência,
permitindo que pessoas diagnosticadas possam ter acesso a direitos como cotas
em concursos públicos e isenção de impostos na compra de veículos.
A medida representa um avanço na luta pelo
reconhecimento de uma condição muitas vezes invisibilizada, cujos impactos na
vida cotidiana dos pacientes, sobretudo mulheres entre 30 e 50 anos, são
profundos. Contudo, a decisão também gerou reações diversas no meio médico,
principalmente em relação aos critérios de avaliação para garantir esses
benefícios.
O
que é a fibromialgia?
A fibromialgia é uma síndrome crônica que
provoca dores generalizadas, fadiga intensa, distúrbios do sono, além de problemas
de memória, distúrbios intestinais, suor em excesso e hipersensibilidade ao
toque. Estima-se que a condição afete cerca de 3% da população mundial, com
predominância em mulheres.
Embora debilitante, a doença não tem cura e
tampouco é classificada como inflamatória ou autoimune. A principal hipótese
científica é de que as dores surjam por uma hipersensibilização do sistema
nervoso central, o que faz com que estímulos comuns sejam interpretados como
dor intensa.
O
que muda com a nova lei?
Na prática, a nova legislação não concede
automaticamente o status de pessoa com deficiência a todos os portadores de
fibromialgia. Segundo o texto da lei, é necessário que uma equipe
multiprofissional ateste a limitação funcional do paciente, ou seja, a maneira
como a condição compromete sua autonomia nas atividades diárias.
O reumatologista José Eduardo Martinez,
presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), esclarece:
> “Não basta ter fibromialgia. A lei diz
que a pessoa precisa passar por uma equipe multidisciplinar que ateste que a
síndrome provoca deficiência. A condição é heterogênea: alguns pacientes têm
sintomas leves, enquanto outros sofrem grandes impactos no cotidiano, inclusive
com comorbidades como depressão e ansiedade.”
Avaliação precisa e preocupações
A exigência de avaliação especializada é, ao
mesmo tempo, um avanço e um desafio. O médico Roberto Ezequiel Heymann,
reumatologista do Hospital Israelita Albert Einstein, faz um alerta:
> “Na prática, vemos que a avaliação de
deficiências nem sempre é feita por equipes realmente especializadas e
multiprofissionais. Isso pode levar à concessão de benefícios para pessoas que
não têm limitações significativas, enquanto outras continuam desassistidas.”
Heymann ressalta que a fibromialgia raramente
gera uma deficiência física evidente, o que pode tornar a classificação mais
subjetiva e sujeita a interpretações. Para ele, a lei corre o risco de ser
aplicada de maneira equivocada, sem os critérios rigorosos necessários.
Ponto positivo: atendimento ampliado
Apesar das divergências quanto à caracterização
da deficiência, ambos os especialistas concordam que a lei traz um importante
avanço: ela obriga o Estado a oferecer atendimento multidisciplinar aos
pacientes com fibromialgia.
Isso inclui acesso a medicamentos,
fisioterapia, orientação psicológica e mudanças de estilo de vida – todos
componentes fundamentais no controle da síndrome. Até então, o tratamento
integral era limitado a quem tinha recursos financeiros ou plano de saúde.
A sanção da Lei 15.176/2025 marca uma vitória
simbólica e prática para quem vive com fibromialgia. Ao mesmo tempo, expõe as lacunas
estruturais do sistema de saúde na avaliação e manejo de condições crônicas
complexas. A depender de sua aplicação, a norma poderá contribuir tanto para a
justiça social quanto para debates éticos e técnicos importantes sobre o que
significa, de fato, viver com uma deficiência invisível.
Enquanto isso, pacientes, médicos e autoridades
seguirão enfrentando o desafio de equilibrar o reconhecimento dos direitos com
o rigor na avaliação individualizada, para que a legislação atinja seu
propósito sem distorções.
Fonte: Veja Saúde
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