Por Mariana Varella*
O câncer de fígado,
responsável por cerca de 700 mil mortes anuais em todo o mundo, é a terceira
causa mais comum de óbitos por câncer no Brasil. Apesar de sua alta letalidade
e crescimento alarmante, uma recente análise publicada pela prestigiada revista
científica The Lancet revela um dado esperançoso: 60% dos casos de
câncer de fígado podem ser prevenidos.
A Comissão de
Carcinoma Hepatocelular — forma mais comum desse tipo de câncer — estima que 870
mil novos diagnósticos surjam anualmente no mundo, colocando a doença como a
sexta mais prevalente. Se a tendência de crescimento se mantiver, em 2050, o
número de novos casos poderá atingir 1,5 milhão por ano.
Principais
Causas Evitáveis
Segundo a análise, o
consumo excessivo de álcool e a Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA),
associada à disfunção metabólica, serão responsáveis por um terço dos novos
casos nas próximas décadas. Ambas as condições podem causar inflamações no
fígado, que evoluem para fibrose, cirrose e, eventualmente, câncer.
A cirrose hepática,
estágio avançado de lesão no fígado, é o principal fator de risco para o câncer
hepático. Ela pode ser consequência direta de hepatites virais crônicas (B e
C), do consumo excessivo de álcool ou de distúrbios metabólicos, como obesidade
e diabetes tipo 2.
Esteatose
Hepática: Um Sinal de Alerta
A esteatose hepática
— acúmulo de gordura no fígado — é um problema crônico que pode evoluir
silenciosamente. Existem dois tipos principais:
Esteatose Hepática
Alcoólica (EHA): causada pelo consumo excessivo de álcool.
Esteatose Hepática
Não Alcoólica (EHNA): associada ao sedentarismo, dieta desequilibrada,
obesidade e resistência à insulina.
Ambas podem gerar inflamação
e cicatrizes no fígado (fibrose) e evoluir para hepatite gordurosa, cirrose e
câncer. Estima-se que 30% da população mundial seja afetada por algum tipo de
esteatose. No Brasil, a prevalência atinge 20% da população.
Abuso de
Álcool e Risco Hepático
O fígado possui
enzimas capazes de metabolizar o álcool. No entanto, o consumo excessivo e
crônico ultrapassa essa capacidade, resultando na produção de substâncias
tóxicas como o acetaldeído, que danifica o DNA das células hepáticas.
A esteatose hepática
alcoólica geralmente não apresenta sintomas. Quando surgem, incluem dor
abdominal, fadiga, perda de apetite e aumento do fígado. Mulheres têm risco
aumentado devido ao hormônio estrógeno, que favorece o acúmulo de gordura no
fígado.
Hepatites
Virais: Ameaças Silenciosas
Hepatite B
Causada pelo vírus
VHB, a hepatite B é uma infecção que pode evoluir de forma assintomática por
décadas. Transmitida por fluidos corporais e considerada uma Infecção
Sexualmente Transmissível (IST), ela pode causar inflamação crônica, cirrose e
câncer de fígado.
A vacinação é a
principal forma de prevenção, recomendada para todas as idades. No Brasil, o
calendário nacional prevê doses desde as primeiras 24 horas de vida, com
reforços aos 2, 4 e 6 meses.
Hepatite C
Transmitida
principalmente pelo contato com sangue contaminado, a hepatite C é, hoje, uma
doença considerada curável, graças aos tratamentos modernos disponíveis pelo Sistema
Único de Saúde (SUS).
No entanto, a
infecção é silenciosa. Muitos pacientes só descobrem a doença quando já há comprometimento
severo do fígado, como cirrose ou câncer hepático. Por isso, o diagnóstico
precoce é fundamental.
Desigualdades no
Acesso à Prevenção e Tratamento
A Comissão da The
Lancet alerta para as desigualdades globais no acesso à vacinação,
diagnóstico e tratamento do câncer de fígado. Enquanto países como os Estados
Unidos apresentam alta cobertura vacinal contra hepatite B, regiões da África
ainda enfrentam grandes deficiências.
No Brasil, 80,6% das
crianças haviam recebido a vacina contra hepatite B até agosto de 2024 — um
número significativo, mas que ainda deixa brechas preocupantes.
Como Prevenir
o Câncer de Fígado?
Medidas simples e
acessíveis podem reduzir significativamente o risco de desenvolver a doença.
Veja as principais recomendações:
Evite o consumo de
álcool, especialmente em excesso;
Não fume;
Mantenha o peso
saudável e evite a obesidade;
Pratique exercícios
físicos regularmente;
Adote uma
alimentação equilibrada, rica em frutas, verduras e grãos;
Vacine-se contra a
hepatite B;
Evite práticas de
risco para contágio de hepatite C;
Trate adequadamente
qualquer hepatite viral diagnosticada.
Uma Mensagem
de Possibilidade
A análise da The
Lancet conclui com um apelo à ação global:
“Fortalecer a
prevenção, fomentar a colaboração e remover as barreiras sociais e de
conhecimento pode ajudar a evitar o rápido aumento do câncer de fígado – é uma
mensagem de possibilidade. Tomar medidas para concretizá-la é vital para a
saúde de milhões de pessoas em todo o mundo nos próximos 25 anos.”
(*) Mariana
Varella é editora-chefe do Portal Drauzio Varella. Jornalista especializada em
saúde, é mestre e doutoranda em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da
USP. Foi eleita uma das colunistas mais admiradas da imprensa de saúde e
bem-estar nos anos de 2021 a 2024.
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