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Da Redação

A aspirina é um dos medicamentos mais antigos e amplamente utilizados no mundo. Reconhecida principalmente por seu efeito analgésico e anti-inflamatório, ela também ocupa um papel importante na cardiologia por sua ação antiplaquetária — isto é, sua capacidade de impedir que as plaquetas do sangue se agreguem e formem coágulos que podem obstruir artérias e provocar infartos. No entanto, apesar de décadas de uso clínico, a ciência ainda não chegou a um consenso definitivo sobre quando e por quanto tempo ela deve ser utilizada na prevenção de problemas cardiovasculares.

Benefícios Comprovados, Mas com Limites

Em situações específicas, como em pacientes que já tiveram um infarto do miocárdio ou que apresentam síndrome coronariana aguda, a aspirina faz parte do tratamento padrão recomendado por diretrizes médicas, inclusive pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. Nestes casos, o uso do medicamento ajuda a reduzir significativamente o risco de novos eventos cardiovasculares, especialmente quando associado a outros fármacos antiplaquetários ou anticoagulantes.

Porém, quando o assunto é prevenção em pessoas sem histórico de doença cardiovascular — a chamada “prevenção primária” — os benefícios são mais incertos. Alguns estudos apontam que o uso indiscriminado da aspirina nesse contexto pode trazer mais riscos do que vantagens, principalmente o aumento de hemorragias gastrointestinais e cerebrais.

Risco de Sangramentos: Um Fator Crítico

A principal preocupação com o uso contínuo da aspirina está relacionada ao risco de sangramentos. Como ela dificulta a coagulação sanguínea, o medicamento pode causar hemorragias potencialmente graves, sobretudo em indivíduos com maior fragilidade vascular, idade avançada ou que fazem uso concomitante de outros fármacos que afetam a coagulação.

Esse equilíbrio entre benefício e risco exige uma avaliação cuidadosa e individualizada. O mesmo medicamento que salva vidas em situações agudas pode representar um perigo silencioso se prescrito de forma inadequada ou mantido por tempo excessivo.



Um Estudo Brasileiro em Busca de Respostas

Recentemente, um grande estudo conduzido pelo Hospital Israelita Albert Einstein, em parceria com o Ministério da Saúde, buscou esclarecer parte dessa dúvida. Mais de 3,4 mil pacientes que haviam sofrido infarto e passado por angioplastia com implante de stent participaram da pesquisa. O objetivo foi avaliar se seria seguro suspender o uso da aspirina após um determinado período, mantendo apenas outros medicamentos antiplaquetários ou anticoagulantes.

Após um ano de acompanhamento, os resultados preliminares indicaram que retirar a aspirina precocemente nesses casos não parece ser uma estratégia segura. Ou seja, a manutenção do medicamento continua sendo a opção mais confiável para reduzir o risco de novos eventos cardiovasculares nesse grupo específico de pacientes.

Um "Abacaxi" Ainda em Aberto

Apesar de todo o conhecimento acumulado, os especialistas reconhecem que ainda existem muitas perguntas sem resposta sobre o papel da aspirina na cardiologia. Determinar exatamente quem se beneficia de seu uso, em que dose, por quanto tempo e em combinação com quais outros medicamentos continua sendo um grande desafio científico.

Essa incerteza explica o título da matéria que inspirou este artigo: “um abacaxi que a ciência ainda precisa descascar”. Até que novas evidências mais conclusivas estejam disponíveis, o uso da aspirina para o coração deve ser cuidadosamente individualizado e sempre decidido em conjunto com um médico.

Conclusão

A aspirina pode ser uma aliada poderosa na prevenção de infartos e outras complicações cardíacas, mas não é isenta de riscos. Seu uso não deve ser iniciado ou suspenso por conta própria. A decisão depende da análise criteriosa do histórico clínico de cada paciente, do risco de sangramentos e dos benefícios potenciais.

Baseado em artigo publicado na Veja Saúde

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