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Nova diretriz nacional sobre hipertensão endurece metas para combater a maior causa de morte no país

Por Paula Felix

Conhecida como a “assassina silenciosa”, a hipertensão arterial há muito tempo preocupa a comunidade médica e a sociedade. Durante o século XX, um episódio marcante ajudou a chamar atenção para esse problema de saúde até então pouco discutido: o presidente americano Franklin D. Roosevelt (1882-1945), figura central na Segunda Guerra Mundial, morreu aos 63 anos após sofrer um derrame. Depois descobriu-se que ele era hipertenso.

Atualmente, bilhões de pessoas em todo o mundo convivem com a pressão alta — um aperto constante nos vasos sanguíneos que geralmente não apresenta sintomas até causar danos graves. E esses danos são sérios: a hipertensão é o principal fator de risco para o acidente vascular cerebral (AVC), a maior causa de mortes no Brasil, além de contribuir para infartos e outras complicações.

Diante de um desafio de saúde pública que afeta cerca de 30% da população brasileira, a medicina atualiza periodicamente as melhores estratégias de controle e prevenção. Agora, um novo documento da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) traz mudanças importantes nas metas para o tratamento da doença.


Novos limites e combate à “inércia terapêutica”

A nova diretriz, apresentada durante o Congresso Brasileiro de Cardiologia em São Paulo, propõe metas mais rígidas para o controle da pressão arterial e busca combater a chamada “inércia terapêutica” — o atraso na adoção de tratamentos adequados.

Os autores do documento alertam que a hipertensão não causa apenas derrames e infartos: ela também compromete a visão, os rins, a circulação nas pernas e já foi associada até à demência. A revisão teve como base as diretrizes anteriores, publicadas em 2020, e diversos estudos e consensos internacionais.

O ponto mais marcante é o fim da classificação de “pressão ótima” para o tradicional 12 por 8 (120/80 mmHg). Agora, a SBC recomenda que a pressão considerada normal esteja abaixo desse valor.

“Defendemos uma abordagem mais preventiva. Quanto mais baixa a pressão, melhor”, explica a cardiologista Andréa Brandão, coordenadora da nova diretriz da SBC.

Segundo Brandão, pessoas com pressão acima de 12 por 8 devem passar por avaliação médica, pois entram na categoria de “pré-hipertensão”. Sem cuidados nessa fase, a tendência é que a pressão aumente com a idade. Hoje, cerca de 65% das pessoas com mais de 65 anos são hipertensas, e os casos de AVC seguem altos: só em 2024 foram mais de 85 mil no Brasil.



Diagnóstico e tratamento

A SBC manteve o diagnóstico de hipertensão para valores iguais ou superiores a 14 por 9 (140/90 mmHg). Nessas situações, recomenda-se acompanhamento intensivo, geralmente com uso de medicamentos, para reduzir a pressão ao menos para 13 por 8.

A ideia, porém, é individualizar os tratamentos, avaliando as necessidades de cada paciente. O desafio é grande: estima-se que apenas 30% dos hipertensos consigam manter os níveis abaixo de 14 por 9.

Mesmo assim, as novas metas não são vistas como exageradas:

“Os estudos mostram que essas metas mais baixas oferecem maior proteção cardiovascular e reduzem complicações como o AVC”, afirma Brandão.

A diretriz também estimula o chamado recrutamento precoce, que consiste em iniciar mudanças no estilo de vida — como exercícios, perda de peso e redução do sal — já na faixa entre 12 por 8 e 14 por 9.

O diagnóstico deve ser feito com duas ou mais medições em consultas diferentes, e, se necessário, com exames complementares como o Mapa (Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial), que acompanha o paciente por 24 horas.


Prevenção salva vidas

O esforço vale a pena: a hipertensão está por trás de metade dos casos de AVC e também de infartos, as duas maiores causas de morte no planeta.

“Se fosse para escolher um único fator para mudar na população, eu escolheria esse”, afirma a neurologista Sheila Martins, presidente da Rede Brasil AVC e chefe do serviço de neurologia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.

Para Sheila, é urgente combater a “inércia terapêutica” que ainda existe nos consultórios. “Se o tratamento atrasa, perdemos a chance de salvar os vasos, o cérebro e o coração”, alerta.


Atenção à saúde feminina e ao SUS

Outra novidade é o destaque dado à saúde feminina, abordando os impactos das variações hormonais e de fases como gravidez e menopausa na pressão arterial.

“Hoje sabemos que 35% das mortes entre mulheres estão ligadas a doenças cardiovasculares”, diz Brandão.

O documento também traz orientações específicas para o SUS, que atende 75% da população brasileira, incluindo listas de medicamentos e dosagens disponíveis em programas como o Farmácia Popular.


Medicamentos e mudanças no estilo de vida

O tratamento da hipertensão combina medicamentos e mudanças de hábitos, como reduzir o consumo de sal, praticar atividade física e manter o peso adequado. Um dos grandes desafios é a baixa adesão aos remédios, já que muitos pacientes deixam de tomar a medicação por não sentirem sintomas.

Para melhorar esse cenário, pesquisas testam pílulas que combinam até três substâncias em uma só cápsula. Um exemplo é a chamada polipílula, desenvolvida no Hospital Israelita Albert Einstein, que conseguiu reduzir a pressão a níveis ideais em apenas 12 semanas.


A mensagem final

As regras para controlar a hipertensão ficaram mais rígidas — e por um bom motivo. Com o respaldo da ciência, os especialistas querem evitar que milhões de brasileiros tenham suas artérias, corações e cérebros.

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